Enquanto o Classicismo foi a expressão literária do Renascimento, o Maneirismo foi uma reformulação do pensamento clássico e naturalista, dado o choque ideológico das grabdes transformações diante da fragilidade humana.
Assim como o Originalismo, há uma síntese dos estilos contemporâneos com o estilo próprio do autor. O Romantismo foi uma das correntes de pensamento decisiva para um sentimentalismo mais concreto e ativo, seguindo em sua linhagem mais radical com o Realismo/Naturalismo, finalizando no neorealismo da literatura moderna.Não importa só idealizar, cantar a beleza que existe ou deveria existir. Basta criar um universo onde se registra e imortaliza de forma literária as paixões e a realidade nua e crua da humanidade.
É importante conhecer o passado para que o presente seja explicado. Sem essa de museu...!
Características do Realismo
- Veracidade: Demonstra o que ocorre na sociedade sem ocultar ou distorcer os fatos
- Contemporaneidade: descreve a realidade, fala sobre o que está acontecendo de verdade.
- Retrato fiel das personagens: caráter, aspectos negativos da natureza humana.
- Gosto pelos detalhes: lentidão na narrativa.
- Amor: a mulher objeto de prazer/adultério.
- Denúncia das injustiças sociais: mostra para todos a realidade dos fatos.
- Determinismo e relação entre causa e efeito: o realista procurava uma explicação lógica para as atitudes das personagens, considerando a soma de fatores que justificasse suas ações. Na literatura naturalista, dava-se ênfase ao instinto, ao meio ambiente e à hereditariedade como forças determinantes do comportamento dos indivíduos.
- Linguagem próxima à realidade: simples, natural, clara e equilibrada.
Émile Zola (Fonte: Wikipedia)
O francês Émile Zola foi o idealizador do naturalismo e o escritor que mais se identificou com ele. O romance experimental
(1880) é considerado o manifesto literário do movimento. As leituras de
Zola sobre a teoria evolucionista de Darwin (a Origem das espécies foi
publicada em 1859), A filosofia da arte (1865), "um grande estudo fisiológico e psicológico". O que Claude Bernard
tinha desvendado no corpo humano, Zola iria desvendar na sociedade. A
título de curiosidade, conta-se que Zola pouco mais teve que fazer do
que substituir as palavras médico por romancista do livro "Introduction a
l'étude de la médicine experimentale" (Claude Bernard) para poder
escrever a sua obra "Le Roman Expérimental", de 1880. Outras influências
fortes sobre seu trabalho, nesse sentido, seriam a obra de Honoré de Balzac (que havia realizado uma verdadeira radiografia da sociedade francesa com a série de romances. A comédia humana, concluída em 1846) e as idéias socialistas em ascensão (O Manifesto Comunista de Karl Marx e Friederich Engels é de 1848). Em 1871, Zola dava início a seu grande projeto, a série Os Rougon-Macquart. A repercussão na imprensa do êxito de A taverna
(1876) levou Zola a responder à crítica da seguinte forma: "Estou sendo
considerado um escritor democrático, simpatizante do socialismo, mas
não gosto de rótulos. Se quiserem me classificar, digam que sou
naturalista. Vocês se espantam com as cores verdadeiras e tristes que
uso para pintar a classe operária, mas elas expressam a realidade. Eu
apenas traduzo em palavras o que vejo; deixo para os moralistas a
necessidade de extrair lições. Minha obra não é publicitária nem
representa um partido político. Minha obra representa a verdade". Em
1880, Nana é lançado e faz grande sucesso. Aborda um tema ousado: a prostituição de luxo.
Em 1881 Zola lança sua obra-prima Germinal. Para escrevê-lo, o autor
não se contentou com a pesquisa, foi direto à fonte. Passou dois meses
trabalhando como mineiro na extração de carvão. Viveu com os mineiros,
comeu e bebeu nas mesmas tavernas para se familiarizar com o meio.
Sentiu na carne o trabalho sacrificado, a dificuldade em empurrar um
vagonete cheio de carvão, o problema do calor e a umidade dentro da
mina, o trabalho insano que era necessário para escavar o carvão, a
promiscuidade das moradias, o baixo salário e a fome. Além do mais,
acompanhou de perto a greve dos mineiros, por isso sua narração é tão
impactante. A força de Germinal causou enorme repercussão, consagrando
Émile Zola como um dos maiores escritores de todos os tempos.
Características gerais do Classicismo
- Individualismo
- Universalismo
- Racionalismo
- Antropocentrismo
- Paganismo
- Neoplatonismo
- Estudo, imitação e emulação da cultura grega
- Fusionismo: mitologia pagã e cristã
- Simplicidade, clareza e concisão
- Equilíbrio, harmonia e senso de proporção (Rigor e perfeição formal)
- Mimese = (imitação da Natureza: Aristóteles)
- Soneto (2 Quartetos e 2 Tercetos)
- Versos Com Até 10 Sílabas Métricas (Estilo doce novo & Medida nova)
- Rimas consoantes, por vezes até ricas
Obra (Fonte: Wikipedia)
Contexto
Camões viveu na fase final do Renascimento europeu, um período marcado por muitas mudanças na cultura e sociedade, que assinalam o final da Idade Média e o início da Idade Moderna e a transição do feudalismo para o capitalismo. Chamou-se "renascimento" em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais da Antiguidade Clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista
que afirmava a dignidade do homem, colocando-o no centro do universo,
tornando-o o investigador por excelência da natureza, e privilegiando a razão e a ciência como árbitros da vida manifesta.[54][55][56]
Nesse período foram inventados diversos instrumentos científicos e
foram descobertas diversas leis naturais e entidades físicas antes
desconhecidas; o próprio conhecimento da face do planeta modificou-se
depois dos descobrimentos das grandes navegações. O espírito de especulação intelectual e pesquisa científica estava em alta, fazendo com que a Física, a Matemática, a Medicina, a Astronomia, a Filosofia, a Engenharia, a Filologia
e vários outros ramos do saber atingissem um nível de complexidade,
eficiência e exatidão sem precedentes, o que levou a uma conceção
otimista da história da humanidade como uma expansão contínua e sempre para melhor.[55][57] De certa forma, a Renascença foi uma tentativa original e eclética de harmonização do Neoplatonismo pagão com a religião cristã, do eros com a charitas, junto com influências orientais, judaicas e árabes, e onde o estudo da magia, da astrologia e do ocultismo não estavam ausentes.[58] Foi também a época em que se começaram a criar fortes Estados nacionais, o comércio e as cidades se expandiram e a burguesia
se tornou uma força de grande importância social e económica,
contrastando com o relativo declínio da influência da religião nos
assuntos do mundo.[59]
No século XVI, época em que Camões viveu, a influência do
Renascimento italiano expandiu-se por toda a Europa. Porém, várias das
suas características mais típicas estavam a entrar em declínio, em
particular por causa de uma série de disputas políticas e guerras que
alteraram o mapa político europeu, perdendo a Itália o seu lugar como potência, e da cisão do Catolicismo, com o surgimento da Reforma Protestante. Na reação católica, lançou-se a Contra-Reforma, reativou-se a Inquisição e reacendeu-se a censura eclesiástica. Ao mesmo tempo, as doutrinas de Maquiavel se tornavam largamente difundidas, dissociando a ética
da prática do poder. O resultado foi a reafirmação do poder da religião
sobre o mundo profano e a formação de uma atmosfera espiritual,
política, social e intelectual agitada, com fortes doses de pessimismo,
repercutindo desfavoravelmente sobre a antiga liberdade de que gozavam
os artistas. Apesar disso, as aquisições intelectuais e artísticas da
Alta Renascença que ainda estavam frescas e resplandeciam diante dos
olhos não poderiam ser esquecidas de pronto, mesmo que o seu substrato
filosófico já não pudesse permanecer válido diante dos novos factos
políticos, religiosos e sociais. A nova arte que se fez, ainda que
inspirada na fonte do classicismo, traduziu-o em formas inquietas,
ansiosas, distorcidas, ambivalentes, apegadas a preciosismos
intelectualistas, características que refletiam os dilemas do século e
definem o estilo geral dessa fase como maneirista.[60][61]
Desde meados do século XV que Portugal se afirmara como uma grande
potência naval e comercial, desenvolviam-se as suas artes e fervia o
entusiasmo pelas conquistas marítimas. O reinado de Dom João II foi marcado pela formação de um sentimento de orgulho nacional, e no tempo de Dom Manuel I,
como dizem Spina & Bechara, o orgulho havia cedido ao delírio, à
pura euforia da dominação do mundo. No início do século XVI Garcia de Resende
lamentava-se de que não houvesse quem pudesse celebrar dignamente
tantas façanhas, afirmando que havia material épico superior ao dos romanos e troianos. Preenchendo esta lacuna, João de Barros escreveu a sua novela de cavalaria, A Crónica do Imperador Clarimundo (1520), em formato de épico. Pouco depois apareceu António Ferreira,
instalando-se como mentor da geração classicista e desafiando os seus
contemporâneos a cantarem as glórias de Portugal em alto estilo. Quando
Camões surgiu, o terreno estava preparado para a apoteose da pátria, uma
pátria que havia lutado encarniçadamente para conquistar a sua
soberania, primeiro dos mouros e depois de Castela,
havia desenvolvido um espírito aventureiro que a levara pelos oceanos
afora, expandindo as fronteiras conhecidas do mundo e abrindo novas
rotas de comércio e exploração, vencendo exércitos inimigos e as forças
hostis da natureza.[62]
Mas nesta altura, porém, a crise política e cultural já se anunciava,
materializando-se logo após a sua morte, quando o país perdeu a sua
soberania para Espanha.[63]
Visão geral
A produção de Camões divide-se em três géneros: o lírico, o épico e o
teatral. A sua obra lírica foi desde logo apreciada como uma alta
conquista. Demonstrou o seu virtuosismo especialmente nas canções e elegias, mas as suas redondilhas não lhes ficam atrás. De facto, foi um mestre nesta forma, dando uma nova vida à arte da glosa,
instilando nela espontaneidade e simplicidade, uma delicada ironia e um
fraseado vivaz, levando a poesia cortesã ao seu nível mais elevado, e
mostrando que também sabia expressar com perfeição a alegria e a
descontração. A sua produção épica está sintetizada n'Os Lusíadas,
uma alentada glorificação dos feitos portugueses, não apenas das suas
vitórias militares, mas também a conquista sobre os elementos e o espaço
físico, com recorrente uso de alegorias clássicas. A ideia de um épico
nacional existia no seio português desde o século XV, quando se
iniciaram as navegações, mas coube a Camões, no século seguinte,
materializá-la. Nas suas obras dramáticas procurou fundir elementos
nacionalistas e clássicos.
Provavelmente se tivesse permanecido em Portugal, como um poeta
cortesão, jamais teria atingido a maestria da sua arte. As experiências
que acumulou como soldado e navegador enriqueceram sobremaneira a sua
visão de mundo e excitaram o seu talento. Através delas conseguiu
livrar-se das limitações formais da poesia cortesã e as dificuldades por
que passou, a profunda angústia do exílio, a saudade da pátria,
impregnaram indelevelmente o seu espírito e comunicaram-se à sua obra, e
dali influenciaram de maneira marcante as gerações seguintes de
escritores portugueses. Os seus melhores poemas brilham exatamente pelo
que há de genuíno no sofrimento expresso e na honestidade dessa
expressão, e este é um dos motivos principais que colocam a sua poesia
em um patamar tão alto.
As suas fontes foram inúmeras. Dominava o latim e o espanhol, e demonstrou possuir um sólido conhecimento da mitologia greco-romana, da história antiga e moderna da Europa, dos cronistas portugueses e da literatura clássica, destacando-se autores como Ovídio, Xenofonte, Lucano, Valério Flaco, Horácio, mas especialmente Homero e Virgílio,
de quem tomou vários elementos estruturais e estilísticos de empréstimo
e às vezes até trechos em transcrição quase literal. De acordo com as
citações que fez, também parece ter tido um bom conhecimento de obras de
Ptolomeu, Diógenes Laércio,Plínio, o Velho, Estrabão e Pompónio, entre outros historiadores e cientistas antigos. Entre os modernos, estava a par da produção italiana de Francesco Petrarca, Ludovico Ariosto, Torquato Tasso, Giovanni Boccaccio e Jacopo Sannazaro, e da literatura castelhana.
Para aqueles que consideram o Renascimento um período histórico
homogéneo, informado pelos ideais clássicos e que se estende até o fim
do século XVI, Camões é pura e simplesmente um renascentista, mas de
modo geral reconhece-se que o século XVI foi amplamente dominado por uma
derivação estilística chamada Maneirismo, que em vários pontos é uma escola anticlássica e de várias formas prefigura o Barroco.
Assim, para vários autores, é mais adequado descrever o estilo
camoniano como maneirista, distinguindo-o do classicismo renascentista
típico. Isso se justifica pela presença de vários recursos de linguagem e
de uma abordagem dos seus temas que não estão concordes às doutrinas de
equilíbrio, economia, tranquilidade, harmonia, unidade e invariável
idealismo que são os eixos fundamentais do classicismo renascentista.
Camões, depois de uma fase inicial tipicamente clássica, transitou por
outros caminhos e a inquietude e o drama se tornaram seus companheiros.
Por todo Os Lusíadas são visíveis os sinais de uma crise política
e espiritual, permanece no ar a perspectiva do declínio do império e do
carácter dos portugueses, censurados por maus costumes e pela falta de
apreço pelas artes, alternando-se a trechos em que faz a sua apologia
entusiasmada. Também são típicos do Maneirismo, e se tornariam ainda
mais do Barroco, o gosto pelo contraste, pelo arroubo emocional, pelo
conflito, pelo paradoxo, pela propaganda religiosa, pelo uso de figuras de linguagem complexas e preciosismos, até pelo grotesco e pelo monstruoso, muitos deles traços comuns na obra camoniana.
O carácter maneirista da sua obra é assinalado também pelas
ambiguidades geradas pela ruptura com o passado e pela concomitante
adesão a ele, manifesta a primeira na visualização de uma nova era e no
emprego de novas fórmulas poéticas oriundas de Itália, e a segunda, no
uso de arcaísmos típicos da Idade Média. Ao lado do uso de modelos formais renascentistas e classicistas, cultivou os géneros medievais do vilancete, da cantiga e da trova.
Para Joaquim dos Santos, o carácter contraditório da sua poesia
encontra-se no contraste entre duas premissas opostas: o idealismo e a
experiência prática. Conjugou valores típicos do racionalismo humanista com outros derivados da cavalaria, das cruzadas e do feudalismo,
alinhou a constante propaganda da fé católica com a mitologia antiga,
responsável no plano estético por toda a ação que materializa a
realização final, descartando a aurea mediocritas cara aos clássicos para advogar a primazia do exercício das armas e da conquista gloriosa.
Os Lusíadas
Os Lusíadas é considerada a epopeia
portuguesa por excelência. O próprio título já sugere as suas intenções
nacionalistas, sendo derivado da antiga denominação romana de Portugal,
Lusitânia. É um dos mais importantes épicos da época moderna devido à sua grandeza e universalidade. A epopeia narra a história de Vasco da Gama e dos heróis portugueses que navegaram em torno do Cabo da Boa Esperança e abriram uma nova rota para a Índia.
É uma epopeia humanista, mesmo nas suas contradições, na associação da
mitologia pagã à visão cristã, nos sentimentos opostos sobre a guerra e o
império, no gosto do repouso e no desejo de aventura, na apreciação do
prazer sensual e nas exigências de uma vida ética, na percepção da
grandeza e no pressentimento do declínio, no heroísmo pago com o
sofrimento e luta.
Por Wikipedia
Na literatura
o Maneirismo se caracteriza, como nas artes visuais, principalmente
pela perda da unidade clássica, que reflete a consciência dramática de
que todo um ciclo cultural e civilizatório, que deixara uma impressão de
grandeza e estabilidade, estava encerrando. Tornam-se comuns na
produção dos autores da época sentimentos de dúvida, fracasso,
ambigüidade, duplicidade e ironia, e o fantasioso surge como uma fuga
dos tumultos da realidade concreta, elementos que denunciam um desejo
intenso de ordem e paz, ou atestam que sua conquista é inexeqüível.
A crise espiritual ocasionada pela ruptura da unidade religiosa na
Europa do século XVI repercute na literatura também através da profusão
de traduções da Bíblia do latim para os vernáculos, estabelecendo novos padrões para a escrita em prosa.
Alguns nomes ligados às letras que trabalharam em formas maneiristas foram John Donne, os poetas da Pléiade francesa, Giovanni della Casa e Giambattista Marino, mas comentar a obra de apenas três autores, na poesia, prosa e teatro, será suficiente para conhecermos as linhas gerais do estilo: Tasso, Cervantes e Shakespeare.
Torquato Tasso, em sua Gerusalemme Liberata (1575) longo poema épico de grande difusão, mostra seu herói Godofredo de Bulhões
enfrentando a nulidade de seus ideais diante do testemunho dos fatos, e
sofre grande pesar vendo que seu desejo de construir uma comunidade de
homens valorosos e leais se torna impossibilitado pela mesquinhez,
ambição e hedonismo das pessoas, que são levadas mais pelas pulsões da
paixão e do materialismo do que pelos princípios éticos.
O paradoxo temático e moral que o poema traz à luz, além de refletir os
sentimentos gerais da época, também espelhava as dúvidas que cercavam a
própria noção de poesia - sua função, natureza e suas normas - foco de
um veemente debate entre os teóricos da época, uns defendendo para ela
uma natureza funcional e pedagógica, outros seu caráter eminentemente
sensual, no sentido de existir para agradar aos sentidos somente. Mas a
luta entre os moralistas e os hedonistas foi resolvida por outros que
consideravam-na passível tanto de agradar quanto de instruir, dizendo
que ela pode ensinar um bom modo de viver, acendendo os sentidos através
da ilustração de situações variadas, e os educando por relatar com
engenho e arte as consequências daquelas situações, conduzindo o
espírito em direção a uma condição de paz e tranquilidade que também é
fonte de prazer.
O protagonista de Cervantes em Dom Quixote (1605-15), passa a maior parte do tempo num mundo ilusório só seu, que, embora possua altos e belos ideais e uma ética
cavaleiresca imaculada, não corresponde à verdade de sua época, e disso
deriva o efeito ora burlesco, ora patético, ora onírico, ora sublime e
poético, e ora trágico, do romance. Uma diferença essencial entre a
literatura clássica e a maneirista é que aquela tinha personagens com
caracteres claramente definidos, eram bons ou maus, eram ladrões ou heróis, e se resumiam basicamente a tipos
relativamente impessoais, com feições imutáveis e cujo comportamento
era até certo ponto previsível. Mas agora um único personagem podia
incorporar os opostos em si, e todos os estados intermédios. Além da
personalidade dos personagens ter sofrido uma complexificação inédita, a
própria forma e estrutura da narrativa se modifica. O Quixote é
cheio de cortes abruptos, desfechos imprevistos, distrações do foco
principal, tem uma estrutura frouxa e informal, e faz extenso uso do
linguajar cotidiano ao lado de alusões eruditas, num resultado cuja
variedade e falta de uma uniformidade, que já são modernas, também
concorrem para ele permanecer atual e vivo até os dias de hoje.
A outra grande figura da literatura maneirista, que nos auxilia a compreender o estilo, é o polimorfo e prolífico Shakespeare,
cuja obra sofre uma transformação ao longo do tempo que ilustra bem a
passagem da atmosfera renascentista humanista, idílica e classicista,
para o maneirismo e sua melancolia, desencanto, complexidade e pathos, e já apontando para os contrastes do Barroco. Sua dramaturgia reflete sua experiência de que "a
idéia pura não pode se realizar na terra, e que ou a pureza da idéia
tem de ser sacrificada à realidade, ou se deve manter a realidade não
afetada pela idéia", um conceito que em si não era novo, mas
acrescentando uma dimensão trágica nova a esse casamento impossível,
pelo fato de que a vitória moral do herói se dá muitas vezes em virtude
de sua derrocada, numa visão sobre o destino que diverge da clássica. Em
termos de forma suas peças se realizam, como em Cervantes na prosa, com
quebras de continuidade, com um tratamento livre e desigual do espaço e
do tempo, na recusa da economia, ordem e linearidade clássicas, na
contínua e extravagante expansão e variação do seu material, na
caracterização psicológica inconsistente, ambígua e imprevisível dos
seus personagens, na justaposição de recursos altamente formalistas e
convencionais com outros tirados do prosaico, do improvisado e do
vulgar. É também um típico maneirista quando se vale de metáforas obscuras e sobrecarregadas, do mágico e do fantástico, de antíteses, assonâncias e trocadilhos,
do intrincado e do enigmático, e quando põe em crua evidência os pontos
fracos dos heróis, que podem ser muitos e profundos, e que por isso
mesmo os tornam aos olhos modernos tão reais, vivos e verdadeiros.
Legado
Depois de longo período em descrédito, considerado uma deplorável
degeneração do classicismo, o Maneirismo nos aparece agora como um
estilo possuidor de uma dignidade própria, que deixou um grande acervo
de realizações do mais alto quilate. Também ele vem sendo visto como a
primeira escola de arte moderna, principalmente por sua valorização das
visões individuais num mundo que até então era regido por valores
ditados pelas estruturas políticas e religiosas e pelas convenções
genéricas da sociedade. Os maneiristas foram os primeiros criadores que
procuraram se evadir do controle de normas apriorísticas impostas a
partir de fora, mesmo que essa evasão fosse cerceada por muitos lados e
só pudesse se expressar muitas vezes de formas veladas. Ao mesmo tempo,
preservaram e revitalizaram um grande repertório de temas e formas
clássicas que herdaram dos renascentistas, e os transmitiram à geração
barroca. Incentivaram o espírito de pesquisa formal e teórica, e uma
nova maneira de observar e descrever a Natureza, ao mesmo tempo mantendo
vivo um traço de ceticismo sobre ela que mantinha livre um canal para a
expressão da originalidade, da fantasia e da genuína criatividade, e
questionava a primazia absoluta do racionalismo e do equilíbrio
idealista e da própria noção de beleza.
O Maneirismo também foi importante porque, pela sua própria natureza
ambivalente e contraditória, representou um momento de universalismo e
de abertura para a diversidade depois das delimitações nacionalistas e
da ortodoxia estética do Renascimento; foi assim a primeira linguagem
pan-européia desde o Gótico. Sendo em essência cortesão, pelo menos em
sua origem, foi o início de uma nova forma de desfrutar a arte apenas
como prazer privado, e não necessariamente como afirmação pública de
poder e de ideologia. De outra parte, rompeu definitivamente com a
longuíssima tradição que atribuía ao artista o papel de intérprete e
servo da sociedade em que vivia, e de um membro anônimo a mais numa
confraria de simples operários especializados, mas agora, tendo
experimentado todas as formas de sublimação, formulação e comunicação de
valores coletivos, conhecia sua própria subjetividade interna e
doravante jamais a perderia de vista. Não que a consciência da
subjetividade fosse uma descoberta nova, mas se tornaria para o futuro
um valor por si mesma numa personalidade artística individualizada e
única. Esse processo retirou a base de segurança que as estruturas e
instituições coletivas proporcionavam para o criador, mas lançou o
artista na aventura da liberdade, com todos os riscos e glórias que ela
possa acarretar.